A noite fria duelava com o calor do conhaque sobre o balcão.
Com seu blazer marrom escuro, via uma névoa surgir à frente de seu nariz a cada baforada no alto de seu tédio.
Sobre o palco, o dono do cabaret tentava animar o ambiente anunciando a próxima atração. Porém como era de se esperar, sem muito êxito. Bebericando, pensou: “Mais uma puta que vem aqui desafinar no palco e tirar uns trocados. O que é que eu estou fazendo aqui?”.
Terminada aquela sessão de elogios rasgados por parte do dono, sobem ao palco um senhor munido de uma velha guitarra, com um terno surrado; e uma figura estonteante de cabelos negros e sedosos, dentro de um vestido azul.
Ele observa a mulher como se fosse um pedaço de carne. Com desprezo, porém com extrema excitação. “Que gostosa” pensava ele, com os hormônios típicos que aparecem à uma hora da madrugada em um sábado.
A mulher sorria, como se o ambiente estivesse receptivo a ela e seu parceiro. Com o microfone em mãos, ela olha para o guitarrista com um semblante carismático, singelo até. Ela e o parceiro comunicavam-se pelo olhar, e o sorriso dela indicava um “pode começar”. E assim se fez.
No balcão, ele pedia mais uma dose. Afinal, era melhor ficar bêbado para presenciar aquela “gostosa” sem talento, que estava ali no palco.
Ao soar dos primeiros acordes, a dissonância foi tomando conta do lugar. E em gemidos suaves, ela dava a introdução à canção. Gemidos que foram crescendo aos poucos. E ela conduzia a melodia como se fosse a última coisa que a vida lhe reservara. Em um giro de banco na direção do palco, ele pára o que estava fazendo para escutar com mais atenção. Seu corpo inteiro estava sensibilizado pela magia que emanava na voz e no corpo daquela mulher. Um corpo escultural.
Os dedos precisos daquele guitarrista eram só um detalhe ao lado daquela escultura em vestido azul. E como se passados apenas segundos, a performance teve fim.
A platéia aplaudia de pé, como se fosse um transe. Eram como fogos de artifício explodindo, refletidos pelo carismático e largo sorriso daquela cantora. O tímido guitarrista somente acenava com a cabeça, e afinava sua guitarra.
Como num ato preparado ardilosamente pelo destino, o olhar dela cruzou o dele no meio da platéia. A mulher apenas fixou o olhar por três segundos, sempre sorrindo, e saudou o público pela última vez.
O frio já não existia mais. Ele abria os botões superiores de sua camisa, e se perdia no turbilhão de sensações causadas pela mulher, que descia do palco e se dirigia ao camarim, acompanhada pelo velho guitarrista. “Meu Deus, o que eu faço? Não posso perder essa mulher”, disse para si mesmo.
Em ato descontrolado, ele tentou seguir o casal. Porém foi impedido pelas mãos do segurança contra seu peito:
- Senhor, apenas pessoal autorizado pode entrar no camarim. Você é amigo dos artistas?
Por trás da figura robusta do segurança, ele viu a cantora beijar a boca do guitarrista.
Beijo seguido por um longo e terno abraço.
E ele apenas disse em completo desânimo:
- Não... eu não sou nada.
E mais uma vez pensou: "o que estou fazendo aqui?”.
domingo, agosto 05, 2007
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