quarta-feira, agosto 29, 2007

Vida de Cão

Questionou a vida e tudo mais ao ver sua cria caída na estrada. Em meio aos monstros de aço, o pequeno ser agonizava nos últimos sons oriundos de seu corpo, agora manchado de sangue.Questionou a vida e tudo mais, pois mesmo sendo um vira-lata, seu filhote merecia uma vida feliz.

Naquele momento, uivou praguejando a Deus. Sua vida tornara-se cinza de vez.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Bushido

Havia honra naquele homem...
Era capaz de dizimar exércitos
e acariciar uma rosa sem machucar as pétalas

A graça de cada movimento

destoava da chuva rubra ao seu redor
Sua respiração era silêncio
Frente aos trovões em forma de gritos

Em nome de seu senhor
Rasgava a carne no frio do aço,
dançando num teatro de sangue e glória.

Samurai, não se entregou ao fracasso
Pela última vez a bainha abraçara a espada
Na coragem de tomar a própria vida,

fechou dolorosamente as cortinas em seu último ato

Belo, sereno...e glorioso


domingo, agosto 12, 2007

Choro sem lágrimas

Flauta, violão de sete cordas e pandeiro. A roda chamava um choro após o outro, praticamente sem pausa. Relembravam os mestres Nazareth, Jacob e Pixinguinha. Bonito de ser ver, melhor ainda de se ouvir. Notas saltitantes, brincalhonas, fazendo um tributo à alegria daquele povo humilde. Os três músicos chamavam todos os presentes ali para momentos de alegria, regados a cerveja e amendoins torrados, entre pedidos de músicas e piadinhas rápidas. Que ambiente era aquele!
Eis que de repente, chega o Sr. Aldir, o dono do bar, e com cara de pesar e diz:
- Vocês não sabem! O Luizinho do cavaco morreu ontem. Que descanse em paz.

O choro parou.

A tristeza que ali se fez pareceu durar uma eternidade. Uma pausa que ocuparia infinitos compassos na pauta daqueles chorões.
Em uma retomada de fôlego, a flauta puxou a melodia carregada de melancolia e poesia, seguida magistralmente pelo violão de sete cordas e o pandeiro. A tristeza não desapareceu, mas pôde ser traduzida em cada nota, na forma de despedidas e agradecimentos ao velho Luiz.
E naquele dia, os que olharam para cima disseram que notas sincopadas escoltavam a alma do ás do cavaco rumo ao céu.
O povo humilde saudava seu mestre. Sem lágrimas. Apenas com choro.

terça-feira, agosto 07, 2007

Menino

Empunhava um surrado violão
Fazendo os dedos cantarem uma simples e bela melodia
Oriunda do lugar mais fundo de seu peito
Onde guardava um coração nunca antes partido

Pregava de maneira singela suas esperanças
De uma vida inteira com pés descalços e fubecas
Balas de goma e pipas dançarinas no céu azul
De primeiros amores todo dia, a partir de hoje

Não conhece ainda a arte da boemia
Nem as musas que inspirarão suas canções
Mas ele já sabe desde pequenino
que enquanto tiver um violão será sempre um menino.

domingo, agosto 05, 2007

O Cabaret

A noite fria duelava com o calor do conhaque sobre o balcão.

Com seu blazer marrom escuro, via uma névoa surgir à frente de seu nariz a cada baforada no alto de seu tédio.

Sobre o palco, o dono do cabaret tentava animar o ambiente anunciando a próxima atração. Porém como era de se esperar, sem muito êxito. Bebericando, pensou: “Mais uma puta que vem aqui desafinar no palco e tirar uns trocados. O que é que eu estou fazendo aqui?”.

Terminada aquela sessão de elogios rasgados por parte do dono, sobem ao palco um senhor munido de uma velha guitarra, com um terno surrado; e uma figura estonteante de cabelos negros e sedosos, dentro de um vestido azul.

Ele observa a mulher como se fosse um pedaço de carne. Com desprezo, porém com extrema excitação. “Que gostosa” pensava ele, com os hormônios típicos que aparecem à uma hora da madrugada em um sábado.

A mulher sorria, como se o ambiente estivesse receptivo a ela e seu parceiro. Com o microfone em mãos, ela olha para o guitarrista com um semblante carismático, singelo até. Ela e o parceiro comunicavam-se pelo olhar, e o sorriso dela indicava um “pode começar”. E assim se fez.

No balcão, ele pedia mais uma dose. Afinal, era melhor ficar bêbado para presenciar aquela “gostosa” sem talento, que estava ali no palco.

Ao soar dos primeiros acordes, a dissonância foi tomando conta do lugar. E em gemidos suaves, ela dava a introdução à canção. Gemidos que foram crescendo aos poucos. E ela conduzia a melodia como se fosse a última coisa que a vida lhe reservara. Em um giro de banco na direção do palco, ele pára o que estava fazendo para escutar com mais atenção. Seu corpo inteiro estava sensibilizado pela magia que emanava na voz e no corpo daquela mulher. Um corpo escultural.

Os dedos precisos daquele guitarrista eram só um detalhe ao lado daquela escultura em vestido azul. E como se passados apenas segundos, a performance teve fim.

A platéia aplaudia de pé, como se fosse um transe. Eram como fogos de artifício explodindo, refletidos pelo carismático e largo sorriso daquela cantora. O tímido guitarrista somente acenava com a cabeça, e afinava sua guitarra.

Como num ato preparado ardilosamente pelo destino, o olhar dela cruzou o dele no meio da platéia. A mulher apenas fixou o olhar por três segundos, sempre sorrindo, e saudou o público pela última vez.

O frio já não existia mais. Ele abria os botões superiores de sua camisa, e se perdia no turbilhão de sensações causadas pela mulher, que descia do palco e se dirigia ao camarim, acompanhada pelo velho guitarrista. “Meu Deus, o que eu faço? Não posso perder essa mulher”, disse para si mesmo.

Em ato descontrolado, ele tentou seguir o casal. Porém foi impedido pelas mãos do segurança contra seu peito:

- Senhor, apenas pessoal autorizado pode entrar no camarim. Você é amigo dos artistas?

Por trás da figura robusta do segurança, ele viu a cantora beijar a boca do guitarrista.

Beijo seguido por um longo e terno abraço.

E ele apenas disse em completo desânimo:

- Não... eu não sou nada.

E mais uma vez pensou: "o que estou fazendo aqui?”.